REGIME FUNDACIONAL

“Mediante proposta fundamentada do reitor ou presidente, aprovada pelo conselho geral, por maioria absoluta dos seus membros, as instituições de ensino superior públicas podem requerer ao Governo a sua transformação em fundações públicas com regime de direito privado.”

Em RJIES, n.º1 do artigo 129º

Norma habilitante

Capítulo VI, Secção V, Título III, do RJIES

Documentos do MTCES

Modelo para estatutos da fundação

Procedimento de entrada no regime fundacional

Vital Moreira e Castanheira da Costa e Jorge Miranda, sobre a Universidade-fundação

Universidades-fundação: natureza e regime jurídico

Vital Moreira*

 

Relação Universidade-Estado

  • Na Idade Média: universidade fora do “Estado”
  • Absolutismo & liberalismo: estatização da universidade; universidade como estabelecimento público; perda da independência financeira-
  • República & Estado Novo: “autonomização” administrativa da Universidade; universidade como instituto público, com personalidade jurídica e governo próprio, mas sob tutela e controlo estadual (“administração indirecta”)
  • Constituição 1976: autonomização “política” da Universidade; autogoverno da Universidade (“Administração autónoma”); relativa autonomia de gestão financeira-
  • 2007 (RJIES) : criação da figura das universidades-fundação.

Origens da figura da Universidade-fundação

  • As ideias da “nova gestão pública” para a reforma do Estado e da Administração pública:
    • Paradigma da gestão privada: autonomia gestionária, responsabilidade, eficiência
    • Recurso às figuras institucionais do sector privado: sociedades, fundações
    • Troca do regime de direito público (direito administrativo, contabilidade pública, função pública, tribunais administrativos , etc.) pelo direito privado (“fuga para o direito privado”
    • Substituição das relações de hierarquia, comando e controlo, por relações contratualizadas entre o Estado e as organizações públicas infra-estaduais
  • Os precedentes estrangeiros de universidades-fundação e de universidades-empresa
  • O modelo norte-americano do “conselho de curadores” exterior à gestão académica
  • O modelo das universidades privadas: distinção entre a entidade instituidora/proprietária e o estabelecimento universitário
  • A moderna “moda” fundacional, mesmo que descarnada de genuíno conteúdo fundacional
  • A fundação como alternativa “não mercantil” à empresarialização

As universidades-fundação no RJIES

  • Dualismo institucional das universidades públicas:
    • universidades directamente pertencentes ao Estado
    • e universidades pertencentes a fundações instituídas pelo Estado
  • A inovação da Universidade-fundação
    • A fundação como detentora institucional da universidade e titular das suas relações jurídicas patrimoniais e financeiras
    • A universidade como estabelecimento da fundação
  • A diferença entre a universidade tradicional (em que a própria estabelecimento é entidade jurídica, pessoa colectiva, pertencente ao Estado) – e a universidade fundação (em que o estabelecimento “pertence” a outra entidade jurídica, a fundação, esta por sua vez pertencente ao Estado)

A transformação em universidade-fundação

  • RJIES, art. 129º
  • Universidades-fundação originárias (novas universidades) ou por conversão das instituições existentes
  • Natureza opcional da conversão, iniciativa da instituição, assentimento governamental
  • Ausência de requisitos ou condições legais específicas
  • Procedimento:
    • Proposta da instituição, por iniciativa do reitor/presidente, aprovada pelo conselho geral
    • Estudo sobre as implicações da conversão em fundação
    • Assentimento do Governo
    • Negociação e convénio entre a instituição e o Governo
    • Diploma de instituição da universidade-fundação (decreto-lei), aprovando os estatutos da fundação
  • Possibilidade de criação a título experimental, sob condição de avaliação, e possibilidade de abandono do estatuto de universidade-fundação (procedimento?).

Património das universidades-fundação

  • As fundações como instituições baseadas num património ou fundo (imobiliário, mobiliário), cujos rendimentos (dividendos, rendas, royalties, etc.) financiam as suas actividades
  • As fundações de criação pública como “falsas fundações” em geral, por não terem muitas vezes nenhum património gerador de rendimentos
  • O património das universidades-fundação (RJIES, art. 130):
    • Património da IES originária;
    • Contribuição suplementar do Estado;
    • Contribuição de outras entidades, públicas ou privadas.
  • Outros recursos financeiros das universidades-fundação = os mesmos das universidades não fundacionais (transferências estaduais, propinas e taxas, projectos e serviços externos, DPI, etc.)

Governo das universidades-fundação

  • Distinção entre governo da fundação ppd e governo da universidade ppd
  • Governo da fundação (RJIES, art. 131º):
    • Conselho de curadores, nomeados pelo Governo sob proposta da instituição (via reitor, prévia aprovação do conselho geral) de entre pessoas estranhas à universidade (incluindo privados que tenham contribuído para o património da fundação)
    • Fiscal único
    • Governo do estabelecimento (RJIES, art. 133º)
    • Os mesmos órgãos das universidades não fundacionais (salvo o fiscal único, que transita para a fundação)
    • Porém, várias adaptações, incluindo a intervenção do conselho de curadores na nomeação e exoneração do conselho de gestão, na homologação da eleição do reitor (e sua destituição), na homologação de várias decisões do conselho geral

Natureza e regime jurídico das universidades-fundação

  • Os arts. 9º e 129º do RJIES (“fundações públicas com regime de direito privado”, e não “fundações públicas de direito privado”)
  • As universidades-fundação como entidades de natureza jurídico-pública, embora com regime de direito privado (não exclusivo)
  • Necessidade de interpretar o art. 134º (regime jurídico) à luz da natureza jurídico-pública das universidades-fundação
  • Aspectos explicitamente submetidos ao direito privado (civil, comercial, etc.) e aos tribunais comuns:
    • gestão patrimonial e financeira, aquisição de bens e serviços (isenção de concurso público, segundo o CCP)
    • relações de trabalho (professores, investigadores, etc.)
    • porém, os limites públicos do regime de direito privado (art. 134º-2)
  • Aspectos submetidos ao direito público (direito administrativo) e, em princípio, aos tribunais administrativos:
    • actos académicos (=actos administrativos), relações universidade -estudantes (relação de serviço público), disciplina académica, tutela do Estado, etc.
  • Fronteiras problemáticas (advérbio “nomeadamente” do art. 134º)

Outras especificidades das universidades-fundação

  • Financiamento público plurianual contratualizado (art. 136º)
  • Possibilidade de carreiras de pessoal próprias no ensino e na investigação (art. 134º-3)
  • Abertura a regimes específicos de selecção dos seus estudantes (art. 135º), embora por via de lei (que pode ser o próprio diploma instituidor).

As universidades-fundação na tipologia das organizações públicas

  • Tipologia das entidades materialmente públicas:
    • I – entidades públicas “primárias”: entidades territoriais (Estado, regiões autónomas, autarquias locais)
    • II – entidades públicas “derivadas” (criadas por aquelas, ou “pertencentes” a elas):
      • a) entidades públicas de natureza pública e regime de direito público (institutos públicos tradicionais)
      • b) entidades públicas de natureza pública mas de regime jurídico misto, público e privado, em doses variáveis (ordens profissionais, hospitais-EPE)
      • c) entidades públicas de natureza privada e regime de direito privado (sociedades de capitais públicos, fundações criadas por entidaes públicas ao abrigo do direito privado)
  • As universidades-fundação – entidade de natureza pública com regime jurídico (parcialmente) privado, sobretudo quanto à gestão patrimonial e financeira
  • Distinção entre fundações públicas de natureza pública e regime parcialmente público (como as universidades-fundação) e fundações públicas de natureza privada, instituídas por entidades públicas ao abrigo do Código Civil (cfr. art. 15º do RJIES)

Vantagens e desvantagens do regime fundacional

  • Vantagens:
    • Financiamento adicional, incluindo contribuições privadas
    • Financiamento estadual plurianual contratualizado, permitindo maior previsibilidade e estabilidade financeira
    • Possibilidade de endividamento, nos termos acordados no acto de instituição
    • Flexibilidade no recrutamento e gestão de pessoal
    • Fuga ao regime da contabilidade pública, de fiscalização prévia do Trib de Contas e do procedimento concursal nos contratos públicos (art. 2º CCP)
    • Fuga ao CPA nas áreas submetidas ao direito privado (salvo os princípios gerais) (art. 2º CPA)
    • Separação entre a gestão patrimonial e financeira e a gestão académica
    • Ganhos de eficiência e de competitividade na gestão
    • Receitas e despesas não contam para as contas públicas, salvo as dotações orçamentais; endividamento não conta para endividamento público
  • Desvantagens:
    • “Submissão” da universidade a uma entidade exterior – a fundação e ao seu conselho de curadores
    • Maior complexidade institucional e jurídica
    • Perda das prerrogativas de direito administrativo nas áreas submetidas ao direito privado

Objecções e receios

  • Resistência cultural à inovação institucional (apesar dos exemplos alheios)
  • Oposição ideológica aos procedimentos de direito privado nas instituições públicas e à flexibilização do regime de vinculação do pessoal docente e de investigação (embora despeitando as situações estabelecidas)
  • Objecção política ao eventual financiamento privado das universidades públicas, bem como à eventual participação dos financiadores privados na gestão das universidades-fundação (embora sempre dependentes de assentimento das instituições)
  • Receio de futuros desenvolvimentos no sentido da privatização da gestão das universidades públicas (embora nada se perfile nesse sentido, nem na letra nem no espírito da lei)

Não há alternativa ao regime fundacional?

  • Não seria possível, como defendem alguns, conseguir os mesmos objectivos de maior autonomia financeira e de gestão no quadro institucional tradicional?
  • A resposta só pode ser negativa:
    • Impossibilidade de libertar integralmente as universidades do regime financeiro comum das pessoas colectivas públicas de regime administrativo;
    • Fracasso das experiências anteriores de “institutos públicos de regime empresarial” (entidades reguladoras), por falta de controlo e “accountability” externa.

Professor Universitário, adaptado da apresentação em PowerPoint, In www.conselhogeral.uminho.pt/Modules/Arquivo/

 

As Universidades e o Regime Fundacional

Castanheira da Costa*

Esta possibilidade abriu-se às universidades com a aprovação do novo regime jurídico

Como é do conhecimento público, a Universidade da Madeira discute, neste momento, as vantagens e desvantagens do Regime Fundacional, para a eventualidade de, em breve, vir a tomar uma decisão sobre a adopção, ou não, de tal Regime. Trata-se, a meu ver, de um assunto que interessará à comunidade em geral, pelo que me parece importante que alguns esclarecimentos sejam dados.
Em primeiro lugar, convém notar que esta possibilidade se abriu às universidades com a aprovação do novo regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), lei publicada em 2007. A alteração resultou de recomendações internacionais, no sentido de se encontrarem formas de gestão mais céleres, eficazes e adequadas, sem as quais as nossas universidades se encontram virtualmente impossibilitadas de competir com as suas congéneres internacionais, no mundo globalizado do ensino superior. Convém, também, assinalar que este regime se assemelha aos adoptados noutros países europeus e que, no essencial, sempre fizeram parte dos sistemas anglo-saxónicos.

Reitor da  UMa, In http://www.dnoticias.pt/opiniao/artigos/277756-as-universidades-e-o-regime-fundacional-DPDN277756, 20110811

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Esta possibilidade abriu-se às universidades com a aprovação do novo regime jurídico

Como é do conhecimento público, a Universidade da Madeira discute, neste momento, as vantagens e desvantagens do Regime Fundacional, para a eventualidade de, em breve, vir a tomar uma decisão sobre a adopção, ou não, de tal Regime. Trata-se, a meu ver, de um assunto que interessará à comunidade em geral, pelo que me parece importante que alguns esclarecimentos sejam dados.
Em primeiro lugar, convém notar que esta possibilidade se abriu às universidades com a aprovação do novo regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), lei publicada em 2007. A alteração resultou de recomendações internacionais, no sentido de se encontrarem formas de gestão mais céleres, eficazes e adequadas, sem as quais as nossas universidades se encontram virtualmente impossibilitadas de competir com as suas congéneres internacionais, no mundo globalizado do ensino superior. Convém, também, assinalar que este regime se assemelha aos adoptados noutros países europeus e que, no essencial, sempre fizeram parte dos sistemas anglo-saxónicos.

Para vermos em que consiste o Regime Fundacional, é conveniente separar as questões:

ORGANIZAÇÃO E ESTATUTOS. Numa universidade que adoptou o Regime Fundacional, distinguem-se duas instituições: a Fundação e o Estabelecimento de Ensino (um paralelo pode ser traçado com os clubes de futebol, onde existe a SAD e o Clube). O Estabelecimento de Ensino corresponde à Universidade, mantém o seu regime de funcionamento actual e pode preservar os seus Estatutos. O Conselho Geral mantém as suas competências, em particular as de escolher o Reitor, aprovar alterações estatutárias, planos estratégicos e orçamento. A sua constituição não sofre qualquer alteração, mantendo-se o seu mandato, bem como o do Reitor, e verificando-se os processos eleitorais dentro dos prazos actuais. Assim, no nosso caso, haverá sempre eleições entre Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013.
A novidade é a instituição Fundação, que tem Estatutos próprios, herda parte das competências que, no regime público, são do Ministro da Tutela e é governada por um Conselho de Curadores, com cinco elementos que são propostos pela Universidade e nomeados pelo Ministro.

FUNCIONAMENTO. As universidades fundações passam a reger-se, no que diz respeito à sua gestão corrente, pelo direito privado. A sua gestão pode, portanto, tornar-se muito mais eficaz, o que é crucial quando enfrentamos universidades extremamente competitivas. As contratações de pessoal não docente passam a fazer-se pelo regime de direito privado, podendo o mesmo acontecer ao nível do corpo docente, embora não seja obrigatório.

RECURSOS FINANCEIROS. As universidades fundações são financiadas por fórmula igual à das universidades públicas mas não estão sujeitas às restrições gerais que são aplicadas a estas. Em particular, gerem o seu saldo de forma livre (o que não aconteceu este ano às universidades públicas) e podem escapar às cativações (como aconteceu igualmente este ano). 

GARANTIAS. A lei (RJIES) prevê que, ao adoptarem o regime fundacional, as universidades fiquem protegidas por um conjunto de garantias importante: Continuam a ser instituições públicas; Os funcionários e docentes, à data da adopção do regime, mantêm a sua vinculação à função pública; O regime de propinas é igual ao das universidades públicas e mantém-se o acesso aos serviços de acção social; O processo é reversível, isto é, existe a possibilidade de regresso ao regime actual. Nos primeiros cinco anos, esta decisão de regresso pode ser tomada pela universidade. Após este prazo, pode acontecer, mas de forma mais justificada e controlada.

 

PROCESSO DE DECISÃO. O processo tem as fases seguintes:
Proposta do Reitor ao Conselho Geral: cabe ao Reitor propor ao Conselho Geral a adopção do Regime Fundacional;
Decisão 1, do Conselho Geral. O processo é encerrado se o Conselho Geral votar contra a proposta do Reitor. Continua, se votar favoravelmente. Note-se que o Reitor não faz parte do Conselho Geral, não tendo, portanto, direito de voto;
Proposta ao Ministro da tutela. Caso o Conselho Geral vote favoravelmente a proposta do Reitor, esta é apresentada ao Ministro da tutela;
Decisão 2, do Governo da República. O Governo pode recusar a proposta, ou iniciar o processo de conversão;
Decisão 3, do Governo da República. Se os estudos e negociações tiverem sucesso é aprovado um Decreto-Lei que estabelece a existência da Fundação da Universidade e fixa as suas condições de funcionamento.

A discussão interna que temos vindo a fazer destina-se a criar a possibilidade do Conselho tomar a sua decisão num quadro de esclarecimento suficiente pois não se trata de uma decisão ligeira. Mas, mesmo que o Conselho Geral seja favorável à passagem, a decisão final é do Governo da República que pode não querer continuar com este tipo de processo, ou manter o procedimento que tem vindo a ser seguido.
Neste contexto, é importante uma observação final, que não pode ser ignorada: já três universidades adoptaram este regime (Porto, Aveiro e ISCTE). Este facto veio alterar as circunstâncias de forma decisiva, pois passámos a competir com instituições que, pela adopção do regime fundacional, se têm vindo a tornar mais eficientes e competitivas. É um pouco como aconteceu no futebol, com a criação das SAD. Após uma fase inicial de resistência à mudança, a vastíssima maioria dos clubes acabaram por adoptar esse tipo de estrutura. Julgo que, em última análise, o mesmo irá acontecer nas universidades e, num futuro não muito longínquo, todas serão fundações. O problema não é, portanto, o de sermos, mas sim o de quando vamos ser.

Como sempre, a questão fundamental é a da antecipação. Ignorar a mudança ou adoptá-la tarde, tem sido o maior pecado que temos cometido. Talvez neste caso possamos fugir desta sina nacional.

Reitor da  UMa, In http://www.dnoticias.pt/opiniao/artigos/277756-as-universidades-e-o-regime-fundacional-DPDN277756, 20110811

Universidades em regime fundacional. Privatização ou fragmentação?

Quando em 2007 em termos de lei-quadro e em 2008 em termos de primeiras experiências avançou o regime fundacional para as instituições do ensino superior foi visível a influência das concepções defendidas por  Vital Moreira expressas numa conferência proferida no ISCTE sob a égide do Conselho Nacional da Educação a qual permitiu perceber que, para além de Gago e Heitor, este era um dos ideólogos nacionais defensores da solução. Estranhamente, pois que quando trabalhou na reforma dos institutos públicos fora crítico da proliferação de modelos de fuga para o direito privado. Aqui, pelo contrário, até  recomendou às universidades que pedissem o modelo entidade pública empresarial para obterem o modelo fundação.  E , paralelamente, “via”  as instituições privadas a abandonar formas empresariais para por sua vez convergirem para o modelo fundação, talvez com o exemplo das Universidades Lusíada / Fundação Minerva em mente.  Muito revelador, mas o CNE  julgou-se obrigado a marcar  uma nova conferência com Jorge Miranda para dar a palavra a  uma visão divergente.

O que pensar deste modelo ?

Retirado de um texto de Ivo Gonçalves (20170206), em https://ivogoncalves.wordpress.com/2017/02/06/universidades-fundacao-privatizacao-pior-fragmentacao/

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Quando em 2007 em termos de lei-quadro e em 2008 em termos de primeiras experiências avançou o regime fundacional para as instituições do ensino superior foi visível a influência das concepções defendidas por  Vital Moreira expressas numa conferência proferida no ISCTE sob a égide do Conselho Nacional da Educação a qual permitiu perceber que, para além de Gago e Heitor, este era um dos ideólogos nacionais defensores da solução. Estranhamente, pois que quando trabalhou na reforma dos institutos públicos fora crítico da proliferação de modelos de fuga para o direito privado. Aqui, pelo contrário, até  recomendou às universidades que pedissem o modelo entidade pública empresarial para obterem o modelo fundação.  E , paralelamente, “via”  as instituições privadas a abandonar formas empresariais para por sua vez convergirem para o modelo fundação, talvez com o exemplo das Universidades Lusíada / Fundação Minerva em mente.  Muito revelador, mas o CNE  julgou-se obrigado a marcar  uma nova conferência com Jorge Miranda para dar a palavra a  uma visão divergente.

O que pensar deste modelo ?

1. As  universidades fundações não são verdadeiras fundações.

As universidades – fundações estiveram congeladas até 2015  por existir a percepção de que a fuga para o direito privado era uma manifestação e um factor de indisciplina financeira e por, rigorosamente, não existir neste caso um património que fosse substracto do regime fundacional.

Se o congelamento permitiu criar dinâmicas que afastaram  algumas universidades da rota fundacional, as já existentes  não foram extintas e reconvertidas em institutos públicos de regime especial, em parte por haver já interesses instalados,  em parte por repugnar à “esquerda”, crítica das fundações, a convergência com um governo “de direita”  para conseguir esse objectivo.

Com o PS / Heitor no poder, como sabemos,   foi desbloqueada a fundação da Universidade do Minho e seguir-se-ão outras Universidades e até Politécnicos.

2.  A flexibilidade de gestão  das universidades fundações só é um atractivo porque o regime geral de autonomia sofreu fortes restrições.

A maior flexibilidade de gestão  não é inerente ao modelo fundacional, aliás como instrumento de fuga para o direito privado estão hoje mais limitadas por força de recentralização a que a crise obrigou.

Se  as universidades fundações conseguem ser “vendidas” como  local  de facilidades é porque às  universidades – institutos públicos de regime especial foram criadas dificuldades.

3.  A possibilidade de remunerar melhor o pessoal, docente e não docente pode não se materializar.

Sabe-se que uma grande parte das motivações da fuga para o direito privado e da criação de institutos públicos quase empresariais ou de  entidades públicas empresariais sem substracto adequado teve como motivação a possibilidade de criação de regimes privativos com melhores remunerações.

Não é líquido que no quadro das  restrições que têm determinado as reestruturações da Administração Pública o investimento na criação de universidades fundações (ou de politécnicos fundações) conduza a este resultado. Pelo contrário foram liquidadas situações baseadas no sector bancário com 30 anos de vigência (IFAP)

Todavia na Universidade Nova de Lisboa a plataforma de defesa da adesão ao regime fundacional, que parece ter triunfado em toda a linha (enquanto que no ISCTE, U. Aveiro e U. Minho não houve exactamente unanimidade em torno da criação das fundações) utilizou como argumento, quase poderíamos dizer como engodo, a possibilidade de atribuir maiores remunerações em função do mérito.  A reter.

Entretanto  que têm a “esquerda” e os sindicatos “de esquerda” contraposto às propostas de criação de universidades – fundações ?

A – O medo da “privatização” e a defesa da “escola pública”.

B – O medo da “precariedade” supostamente inerente à criação de universidades – fundações.

Ora com base no medo temos o que já aqui foi chamado o “sindicalismo assusta e foge” que não mobiliza. E , emanando dos meios sindicais ou não, o argumentário actualmente desenvolvido contra as fundações é o mesmo de há dez anos, com referência a  disposições legais e a modelos teóricos, quando seria exigível que se analisassem as experiências concretas registadas nas universidades que têm vivido desde 2008 sob regime de  fundação.  Vive-se assim tão mal sob esse regime ? Aí está um debate que conviria fazer.

Por isso mesmo,  talvez se deva ser mais prudente nas apreciações.

Assim:

A – O modelo fundacional aplicado às entidades públicas não é um modelo de privatização.

Há quem pense que, independentemente das formas jurídico- organizativas (instituto público de regime especial,  fundação, entidade pública empresarial, entidade da administração autónoma) há sempre uma universidade – corporação  que em última instância as várias formas organizativas visam servir.

Afinal  as próprias universidades  – ou, para ser mais preciso, o seu establishment – estão envolvidas na procura de fundos e parceiros e na definição da composição do conselho de curadores, tal como na procura de membros externos para os Conselhos Gerais.

Não há , pelo menos na experiência existente,  conselhos de curadores hostis ao establishment.  Muito embora já tenha acontecido que o conselho de curadores arbitre conflitos internos no establishment, por exemplo quanto à reelegibilidade de um reitor.

B- O modelo fundacional não implica necessariamente precariedade.

Em rigor – e Luis Reto, reitor do ISCTE-IUL disse-o numa sessão que há anos teve lugar no IP Leiria – o contrato de trabalho baseado no Código do Trabalho não é precário e o  na altura vigente contrato administrativo de provimento na função pública era-o.

Por outro lado, do ponto de vista da carreira docente universitária o SNESup conseguiu na altura da sua apreciação parlamentar  introduzir no respectivo Estatuto a possibilidade de as Universidades – Fundações continuarem a fazer contratos de pessoal docente em regime de contrato de trabalho em funções públicas,   o que afastou provisoriamente o  cenário  do RJIES em que as universidades fundações criariam novas carreiras e até novas categorias (enquanto que as universidades privadas estariam vinculadas à estrutura da carreira pública !) . Tivessem os sindicatos procurado explorar de forma mais pertinaz esta vitória, e teria sido possível:

  • utilizar o regime de direito público – contrato de trabalho em funções públicas para o desenvolvimento da carreira pelas categorias de professor auxiliar – professor associado – professor catedrático;
  • utilizar o regime do código do trabalho para as categorias extra-carreira, assistente convidado, professor convidado, leitor convertendo-se os contratos a termo certo em contratos por tempo indeterminado por mero decurso do tempo e extinguindo-se esses contratos com indemnização quando o serviço lectivo deixasse de os   justificar.

No entanto  a falta de visão das universidades fundacionais e a desorientação que  parece ter-se apoderado dos próprios sindicatos levaram a que comecem a coexistir na carreira professores nos dois regimes laborais  ( sendo que no regime do Código do Trabalho já não há concursos )  e fora da carreira  professores, assistentes  convidados e leitores também nos dois regimes laborais, com uma regulação que difere de universidade para universidade.

Não se pode dizer que haja privatização  mas existe certamente fragmentação, pelo menos da carreira, e esta tenderá  a agravar-se progressivamente .

Retirado de um texto de Ivo Gonçalves (20170206), em https://ivogoncalves.wordpress.com/2017/02/06/universidades-fundacao-privatizacao-pior-fragmentacao/

Instituições de Ensino Superior no Regime Fundacional e novos Estatutos

Universidade de Aveiro

2009 – UA – Entrada no regime fundacional

2009 – UA – Novos estatutos

ISCTE-IUL

2009 – ISCTE-IUL – Entrada no regime fundacional

2009 – ISCTE-IUL – Novos estatutos

Universidade do Porto

2009 – UP – Entrada no regime fundacional

2009 – UP – Novos estatutos

Universidade do Minho

2015 – UMI – Ata da reunião de aprovação dos Estatutos

2016 – Entrada da UMi no regime fundacional e novos estatutos

Universidade Nova de Lisboa

2017 – Entrada da UNL no regime fundacional e novos estatutos

AVALIAÇÃO DO REGIME FUNDACIONAL (fim do período experimental)

Universidade do Porto

2014 – UP – Relatório de Avaliação do Regime Fundacional

2014 – UP – Relatório de Avaliação do Regime Fundacional: Indicadores de Gestão

ISCTE-IUL

2015 – ISCTE-IUL – Relatório de Avaliação do Regime Fundacional

Universidade de Aveiro

2016 – UA – Relatório de Avaliação do Regime Fundacional

Regime Fundacional – Reflexões

Regime fundacional

José Manuel Nunes Castanheira da Costa*

Um documento da UMA com um conjunto de informações e de reflexões sobre o regime fundacional, a possibilidade que se abriu às universidades públicas portuguesas com a aprovação do RJIES, a a evolução da UMA neste sentido.

*Reitor da UMa

A Universidade como Fundação: Nota de Investigação

António F. Tavares, J. Filipe Araújo e J.A. Oliveira Rocha*

Um enquadramento do regime de Fundação no contexto das reformas do sector público que têm ocorrido nos países da Europa Ocidental e do mundo anglo-saxónico. Uma breve descrição da experiência fundacional em Portugal e as opções seguidas pelas universidades portuguesas que adoptaram este modelo de governação no sentido de o situar no quadro legislativo e institucional proposto. Uma nota de investigação com um conjunto de observações e recomendações quanto à implementação do regime de Fundação no contexto universitário e, em particular, na Universidade do Minho.

Professores de Gestão Pública, 2011

Do milagre do regime fundacional: A espera em vão

Jorge Olímpio Bento*

Foi-me pedido um testemunho sobre o regime fundacional, baseado no experimento pessoal. É isso que vou fazer, sem procurar um estilo discursivo, propício a convencer os outros e a trazê-los como prosélitos para o meu campo. O propósito de convencimento cheira-me a colonização; e esse chapéu não vai bem à cabeça de um universitário.

*Professor Catedrático da Universidade do Porto, 2017

Universidade como Instituto Público e como Fundação

A Universidade como Instituto Público e como Fundação à luz do RJIES: Principais características destes dois regimes.