SISTEMA BINÁRIO
O Decreto-Lei n.º513-T/79, a par da LBSE de 86, foram os marcos legislativos que permitiram a criação de um sistema binário na Rede de Ensino Superior, adicionando-lhe uma rede de Ensino Superior Politécnico, constituída por 27 escolas distribuídas por 15 distritos, com o objetivo de dotar o Ensino Superior de uma vertente mais técnica em oposição à vertente mais académica proporcionada pelas universidades.
O fim do Sistema Binário no Ensino Superior Português
Joaquim Sande e Silva*
[…] a génese da Rede do Ensino Superior Politécnico esteve associada aos ventos revolucionários que sopravam desde 1974, no sentido de promover social e academicamente estabelecimentos de ensino técnico que até aí não tinham o estatuto “Superior”. Foi também uma forma de contentar autarcas que desse modo passaram a contar com escolas de Ensino Superior nos seus municípios, com tudo o que tal acarretava em termos de promoção social e política. Desta forma, muitos Institutos Superiores Politécnicos (ISP) foram criados com uma lógica de interesse local, sem que houvesse grande preocupação em harmonizar esses interesses com as necessidades reais do País.
Muito embora existisse uma clara limitação quanto ao grau académico que os ISP podiam atribuir (bacharelatos), cedo se começou a perceber que iriam existir pressões no sentido de mudar esse estado de coisas. Essas pressões levaram por exemplo a que fosse criada uma figura que se destinava de forma disfarçada a mimetizar as licenciaturas, com a designação de Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE). Deste modo não é de surpreender que a partir de 1997 os ISP tenham passado definitivamente a poder ministrar licenciaturas de facto, mercê de alterações legislativas que simultaneamente acabavam com os CESE.
Neste percurso devem salientar-se os constantes esforços para que os dois sistemas não coalescessem como veio a acontecer, quais gotas de água demasiado próximas. Estes esforços verificaram-se, quer por parte da Tutela, quer por parte dos próprios responsáveis pelas instituições politécnicas, ciosos em garantir o seu pequeno quintal no universo do Ensino Superior Português. De modo a manter os dois sub-sistemas diferentes, a atribuição de licenciaturas pelos Politécnicos foi limitada às chamadas licenciaturas bietápicas, em que o aluno era obrigado a terminar o grau de bacharel antes de ingressar, se assim o entendesse, no segundo ciclo de estudos. O sistema foi concebido de forma algo ingénua, esquecendo-se da matriz cultural do País e da própria natureza humana.
Na verdade muitas destas licenciaturas bi-etápicas acabaram por ser estruturadas como licenciaturas partidas ao meio e não como dois ciclos de estudos complementares, em que o primeiro ciclo deveria ser autónomo relativamente ao segundo.
No entanto o fim do Sistema Binário começou a esboçar-se mais nitidamente com a Reforma de Bolonha, cuja aplicação em Portugal se concluiu em 2009.
Na verdade, a Reforma de Bolonha preconizava a criação de um espaço único (e não binário) de Ensino Superior na Europa, com a consequente uniformização de graus académicos. Foi assim estabelecido um sistema de três graus, que em Portugal tomaram as designações de licenciatura, mestrado e doutoramento. Dado que os ciclos de estudos nos ISP já eram de 3+2 anos, e tendo a duração das licenciaturas sido de um modo geral reduzida para 3 anos, não houve outra alternativa senão possibilitar que os Politécnicos passassem também a poder atribuir o grau de mestre. Mais uma vez ficou claro na legislação que aos Politécnicos ficava vedada a atribuição dos mesmos graus académicos das Universidades, ficando assim o doutoramento fora das competências dos Politécnicos. Numa atitude tipicamente Lusitana, foram ainda consagradas na lei diferenças de forma, para mascarar as semelhanças dos conteúdos. Ficou assim vedada aos Politécnicos a utilização dos termos “Faculdade”, “Reitor” e “Concelho Científico” e na aprovação de alguns dos cursos de mestrado foi rejeitado o uso de expressões como “Tese” ou “Engenharia”, que deveriam ficar reservadas às Universidades. Apesar destas tentativas para adiar uma morte anunciada, em parte apoiadas num relatório da OCDE encomendado (à medida?) pelo Governo em 2006, logo em 2009 houve desenvolvimentos que voltaram a acelerar a aproximação dos dois subsistemas, com a aprovação do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico (ECDESP) e do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) […]
De facto o Sistema Binário revelou-se cada vez mais insustentável a partir do momento em que se percebeu que mesmo com as alterações legislativas que permitiam que os docentes qualificados passassem a poder integrar a carreira politécnica, essas integrações tiveram uma expressão bastante reduzida. O motivo era simples: falta de meios financeiros das instituições politécnicas para poder financiar essas integrações na carreira. Tornou-se então claro para todos a insustentabilidade do Sistema. Basta ter em conta que o financiamento por aluno, das instituições politécnicas era cerca de um terço, inferior ao das Universidades, incluindo-se nesta diferenciação o próprio financiamento dos serviços sociais escolares.
Refira-se que nesta fase desta Crónica, o maior protagonista na defesa do Sistema Binário foi o Ministro da Tutela de então, o Professor Mariano Gago […]
Professor Universitário, extrato In http://www.snesup.pt/cgi-bin/artigo.pl?id=EkZuAyuukuAmEFDVqB, 20100301
O anacrónico sistema binário do ensino superior
Carlos Vieira e Castro*
O sistema binário do ensino superior perpetua a separação elitista e anacrónica entre trabalho manual e trabalho intelectual.
No dia 22 do passado mês de Outubro, os presidentes dos Conselhos Gerais de 13 institutos politécnicos (Bragança, Castelo Branco, Cávado e Ave, Coimbra, Guarda, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto, Santarém, Setúbal, Tomar e Viseu), na sequência de uma reunião em Leiria, pediram à tutela que autorize estas instituições a utilizarem, em documentos oficiais e de informação ou divulgação produzidos em língua estrangeira, a designação University of Applied Science (Universidade de Ciências Aplicadas), a exemplo do que acontece na EURASHE – Associação Europeia de Instituições de Ensino Superior e ainda que possam outorgar o grau de doutor.
Esta é uma reivindicação bastante mitigada, já que há mais de uma década que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos tinha reivindicado a passagem destas instituições do ensino superior a “universidades politécnicas”, invocando a desvalorização social deste subsistema de ensino e a evolução do seu corpo docente, que, na realidade, tem aumentado significativamente o número de doutorados, assim como as condições de investigação e de internacionalização. A partir de 2009, com a alteração ao estatuto das carreiras docentes do ensino superior universitário e politécnico que exigia o doutoramento para o ingresso em ambas as instituições e o título de agregado para atingir o topo da carreira, com os mesmos índices salariais, a percentagem de docentes doutorados nos institutos politécnicos tem vindo a aproximar-se dos 50%, o que significa uma evolução assinalável se tivermos em conta que as universidades alcançaram essa percentagem apenas em 2002. O processo de Bolonha deu o golpe de misericórdia no sistema binário ao uniformizar a designação e duração dos cursos que marcavam a diferença entre os dois subsistemas.
Alguns politécnicos cientificamente mais bem preparados têm contornado o impedimento legal para atribuírem o grau de doutor através de parcerias com universidades espanholas em programas de doutoramento.
Em Espanha, note-se, não há o sistema binário; o ensino equivalente ao politécnico, de carácter, alegadamente, mais prático e profissionalizante, está integrado na Universidade. O mesmo acontece em Inglaterra onde o sistema binário acabou há mais de uma década. Aqui, o paradigma do ensino elitista, residente nas aristocráticas Oxford e Cambridge, deu lugar, há cerca de meio século, a universidades de cariz técnico-científico. Também na Alemanha se demarcou as universidades académicas das escolas técnicas, inibidas de dar títulos universitários, mas estas, graças ao contributo que deram para o desenvolvimento do país, acabaram sendo transformadas em universidades técnico-científicas. Na Suécia, as seis universidades a que estão vinculados dezasseis colégios universitários em termos de investigação, incluem a Universidade de Tecnologia de Lulea e a Universidade Sueca de Ciências Agrárias, para além de pequenas instituições públicas constituídos por uma única faculdade, dedicadas à Medicina e Medicina Dentária, Tecnologia, Educação, Artes, Educação Física e Desportos.
As escolas politécnicas criadas no século XIX, em Lisboa e no Porto (segundo o modelo napoleónico da École Polytechnique destinada à formação de quadros técnicos e de educadores que difundiriam o espírito científico defendido pela burguesia francesa triunfante que se opôs ao ensino eclesiástico e aristocrático), foram, em 1911, integradas nas universidades de Lisboa e Porto, criadas pela primeira República, estando na génese das respectivas faculdades de Ciências. Em 1910, apenas havia em Portugal uma universidade, em Coimbra, com 1.212 alunos, e 32 liceus com 8.691 alunos, numa população com cerca de 75% de analfabetos.
Foi também a partir de 1911 que os cirurgiões, formados pelas escolas médico-cirúrgicas de Lisboa e do Porto, criadas durante o liberalismo, passaram a ter em Portugal a mesma dignidade dos médicos formados pelas universidades. Até aí, os médicos-cirurgiões, formados em escolas de cirurgia, não passavam de trabalhadores manuais, operários especializados, uns práticos, herdeiros dos cirurgiões-barbeiros, como descreveu Ribeiro Sanches, obrigado a exilar-se em 1726: “(…) ao lado dos médicos saídos da única Faculdade do País, a da Universidade de Coimbra, …havia…os cirurgiões mata-sanos, os inchacorvos, os barbeiros sangradores, os curandeiros idiotas, os algebristas, os boticários, as parteiras, os oculistas, os dentistas…”.
No entanto, a cirurgia começou a ser considerada digna de ser praticada pelos médicos durante a Renascença, em Itália e na França, quando o trabalho manual foi recuperado pela ciência, com homens como Leonardo da Vinci a dissecar cadáveres humanos e de animais para estudo da Anatomia, depois de mil anos de estagnação e retrocesso científico provocado pelo esclavagismo, defendido por Platão e Aristóteles, que foi relegando para o trabalho escravo as operações manuais que estiveram na origem da experimentação, base do desenvolvimento científico da civilização jónica (Grécia, cerca de 600 a.C.).
Em Portugal, antes do 25 de Abril só existiam 3 universidades públicas (Lisboa, Porto e Coimbra) e ensino médio nos institutos industriais, institutos comerciais, escolas do magistério primário e escolas de regentes agrícolas. A reforma de Veiga Simão, em 1973, levou à criação do ensino superior politécnico. Com o 25 de Abril veio a necessidade de democratizar o acesso ao ensino superior que esbarrou no conservadorismo elitista da universidade, pouco receptiva a admitir no seu seio cursos de natureza profissional. Em 1975 arrancaram os institutos politécnicos da Covilhã e de Vila Real que em 1979 seriam convertidos em institutos universitários e, em 1986, dariam lugar às Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douto e à Universidade da Beira Interior. A Universidade do Algarve fundiu-se com o Instituto Superior Politécnico de Faro, ambos criados em 1979, pelo que inclui unidades orgânicas do ensino universitário e do ensino superior politécnico. Também a Universidade de Aveiro, criada em 1973, inclui algumas escolas superiores que normalmente seriam agregadas em institutos politécnicos […]
Extrato do artigo,In https://acontradicao.wordpress.com/2016/11/09/o-anacronico-sistema-binario-do-ensino-superior/, 09112016

Doutoramentos no Politécnico Comprometem Qualidade
Rui Batista*
Numa altura em que os os politécnicos continuam a assestar baterias em defesa da outorgação de doutoramentos, em oposição à minha tomada de posição desacordante (evidenciada em inúmeros posts, aqui, no “De Rerum Natura” e em artigos de opinião no jornal “Público”), transcrevo uma entrevista, com o sugestivo título em epígrafe, da jornalista Catarina Navarro (“Notícias”, 14/11/2016), ao professor António Cunha, com o poder institucional da presidência do CRUP, sobre esta pretensão do ensino superior politécnico por entender que o silêncio que, por vezes, paira sobre este assunto se torna, de certo modo, perigoso para o múnus universitário e para a própria vida nacional em que ter razão não basta se essa razão for submersa em campanhas constantes de fazer valer direitos sem correspondências em deveres.
Ora, como escreveu François Chateaubriand, “toda a instituição começa por três estágios: utilidade, privilégio e abuso”. Se o o leitor estiver lembrado, sob o ponto de vista de utilidade, a criação do ensino superior politécnico obedeceu ao princípio de instalação em zonas do país carenciadas de ensino superior, e logo se instalou, de armas e bagagens, nas cidades universitárias de Lisboa, Coimbra e Porto.
Além disso, aquando da sua criação, estava estabelecido concederem, apenas, diplomas sem grau académico para daí partirem para bacharelatos, licenciaturas e mestrados defendendo, agora em jeito de cereja em cima de bolo mal cozido, o privilégio da atribuição de doutoramentos. Como diziam os latinos “alea jacta est”, ocasião soberana, portanto, para se atravessar o caudal desta temática, tendo como margens as diferentes perspectivas, até porque, como li algures, não fazer é deixar que os outros façam por nós.
Passo a transcrever a entrevista supracitada na esperança que sirva para ser debatida em comentários que, porventura, possa suscitar e que serão bem-vindos porque o silêncio só serve de argumento para escamotear e adiar a solução dos problemas:
“Há dois anos a presidir ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Cunha não entende a reivindicação dos politécnicos para outorgarem doutoramentos, que considera negativa. O rejuvenescimento do corpo docente continua por fazer porque para contratar, diz, é preciso dinheiro. E mostra-se preocupado com a ideia que o Parlamento tem de que as universidades devem ser todas iguais. Os institutos superiores politécnicos querem ministrar doutoramentos. O CRUP mostrou-se surpreso.
Não entendemos. Seria muito negativo para o sistema de ensino. O doutoramento é o elemento estrutural da atividade de investigação e tem de ser exclusivo de entidades que têm condições para o fazer. Portugal tem de se colocar no mapa como destino de formação internacional. Temos de ter uma qualidade à prova de qualquer escrutínio. E o alargamento aos politécnicos baixaria essa qualidade? Iríamos ter algo muito confuso, muito entrópico.
Acresce que, e vou dizer isto com toda a frontalidade, os números de procura das instituições politécnicas são conhecidos. Todos desejamos que haja um crescimento, mas vai ser conseguido à custa dos TeSP [Cursos Técnicos Superiores Profissionais, de dois anos]. Não tenho capacidade racional para perceber como é que uma instituição que vai ter números muito significativos de um perfil de estudantes TeSP está organizada também para conceder doutoramentos. Acredita que não avança? Sim, seria extremamente negativo para o sistema e comprometeria a nossa imagem de qualidade no mundo.
Não vejo vantagens objetivas nisso. Há um mês, o PS votou ao lado da Direita e inviabilizou um novo congelamento das propinas. A autonomia das universidades está em risco? Os equilíbrios governativos, hoje, são conseguidos através de uma maior proatividade do Parlamento. E, no caso do Ensino Superior, está a ferir gravemente a autonomia universitária, que é essencial ao nosso sistema. Face aos desafios com que estamos confrontados, as universidades precisam de ser capazes de ter projetos diferenciados.
Uma universidade que é igual às outras 15 mil que existem no mundo corre o risco de desaparecer. E tal não é exequível sem autonomia? O Parlamento tem uma visão de que as universidades devem ser todas iguais pelo facto de serem públicas. Pelo facto de serem públicas estão, sobretudo, obrigadas ao serviço público, a uma transparência total, mas devem ser diferentes porque, se não o forem, muitas não vão subsistir.
Há um ano, falava de um subfinanciamento da ordem dos 20%. Até ao final da legislatura, sabem que não haverá reforço de verbas. nem cortes, nem cativações. A estabilidade orçamental é o desejável ou o possível? Nem sei se é o possível. Não conseguimos mais, foi aquilo com que fomos confrontados. A questão da estabilidade é muito importante. E o compromisso de não nos fazerem cativações. Foi uma surpresa este ano? Era impossível. Estamos a falar de valores que em algumas universidades chegavam aos 7%, absolutamente incomportáveis.
Desse ponto de vista, é muito positivo. Temos ainda a questão, e não está a ser cumprido, da libertação de alguns espartilhos burocrático administrativos. Concretamente, a questão da Agência Nacional de Compras Públicas, uma perversidade para as universidades, e a obrigatoriedade de quando se contrata pessoal não docente ter que se recorrer ao INA [instituto que gere os funcionários públicos em situação de mobilidade).
Não aumentando o financiamento, o que é que fica para trás? Mesmo tendo em conta as palavras do Sr. Ministro [de que há uma folga para as universidades contratarem] e concordando que a situação melhorou um bocadinho, aquilo que continua a ficar para trás é o investimento no rejuvenescimento do pessoal docente. É o principal constrangimento que temos.
Então, não concorda com o ministro de que estamos perante uma oportunidade única para as universidades? Vem uma oportunidade. Até aqui, tínhamos duas dificuldades em contratar: de orçamento e de enquadramento legal. Não o podíamos fazer. Há um certo desbloqueio, mas não é uma liberdade total. É preciso que as universidades tenham dinheiro. Há um défice de docentes? Sim. Apontando para números médios nas universidades na ordem dos 12 a 15 estudantes por docente, sendo que o rácio andana ordem dos 17/18, temos cerca de 25% de docentes a menos (de um universo de 15 mil docentes. 12 mil de carreira e três mil convidados, estaremos a falar de 3750 professores].
Face às palavras de Manuel Heitor, quantos docentes irão contratar até ao final da legislatura? Falando de 2017/2018, valores da ordem dos 750 ano. Entre 1000 a 1500. Há um reforço de verbas para a ação social. Há mais dificuldades? Há um reforço porque, supostamente, vai haver um aumento de candidatos porque o Indexante dos Apoios Sociais aumentou.
Agora, e falando como reitor da Universidade do Minho, não conheço aqui um único aluno com aproveitamento que tenha abandonado o Ensino Superior por razões financeiras. Quanto valem os fundos de emergência social das universidades? Estaremos a falar de um valor superior a um milhão de euros. Mas há outros apoios: alunos envolvidos em pequenos trabalhos nas universidades, como fazer duas horas à noite na biblioteca, e que são ressarcidos financeiramente por isso, e que serão já mais de mil alunos. Mas defendem um aumento do número de bolsas. Propusemos ao Parlamento que alterasse o regulamento das propinas, no sentido de passar a permitir excecionalidades.
Situações identificadas e justificadas pelos serviços de ação social (como o aluno que não é elegível por um ou dois euros) que o diretor-geral do Ensino Superior pudesse despachar como exceções. São 100, 200,300 por ano, não é muito, mas, para essas pessoas, é muito importante. Uma via verde para alunos carenciados que ficam de fora das bolsas? Uma via para exceções, pagando a propina.
Preocupa-nos, também, os estudantes que são de fora dos grandes centros, para quem o principal custo não é a propina, mas as deslocações. Se queremos alargar a base social dos alunos que estão no Superior, é uma situação que deveria ter especial consideração, criando esquemas de ação social que permitissem suportar os custos de deslocação para alunos de famílias carenciadas” (fim de citação).
*Professor Rui Batista, in http://dererummundi.blogspot.pt/2017/02/doutoramentos-no-politecnico.html, 20170213

“É mais importante para Portugal que os Politécnicos cumpram a missão para que foram criados”
João Filipe Queiró*
O ensino politécnico foi concebido como Ensino Superior de curta duração, com o objectivo de formação de técnicos especialistas de nível intermédio.
Esta importante missão foi reafirmada, desde há 40 anos, por todos os governos e leis, porque corresponde a necessidades objectivas dos portugueses e do país. Colocada ao lado da missão das universidades, deu origem ao chamado “sistema binário” na organização do Ensino Superior português.
O sistema binário corresponde à existência de duas missões distintas para o Ensino Superior no plano da formação: as formações técnicas curtas, destinadas a profissões existentes para as quais a formação necessária excede a que pode ser proporcionada pelo Ensino Secundário (exemplos: técnicas de engenharia, contabilidade, enfermagem, tecnologias de saúde, técnicas agrícolas, formação de professores do 1.º e 2.º ciclo do Ensino Básico, artes performativas); e as formações longas, sejam as profissionalmente mais direccionadas, com necessidade de estudos extensos (exemplos: medicina, engenharia, direito), sejam as formações culturais, científicas e tecnológicas mais profundas e abrangentes (exemplos: humanidades, ciências exactas e naturais, ciências sociais e económicas). A primeira destas missões cabe ao ensino politécnico, a segunda ao ensino universitário.
Uma tal distinção de missões poderia ter sido operacionalizada de várias maneiras, fosse no plano institucional fosse através de diferentes “catálogos” de formações. A mesma questão põe-se em todos os países. A via da separação institucional é a solução mais frequente e foi também a escolhida entre nós.
O critério de distinção das formações politécnicas relativamente às universitárias – duração curta e carácter técnico dos cursos – não tem sido fácil de levar à prática, havendo alguma sobreposição de cursos e designações entre os dois subsistemas, com culpas de ambas as partes. Mais grave do que isso é que, desde cedo, uma parte dos dirigentes dos institutos politécnicos públicos começou a fazer campanha pela alteração da missão das suas instituições. Os cursos nelas ministrados eram geralmente de três anos, com a designação de bacharelato (nome que também existira nas universidades). Logo em meados dos anos 80 nasceram nos politécnicos os Cursos de Estudos Superiores Especializados, que, justapostos aos bacharelatos, ficavam, para alguns efeitos, equiparados às licenciaturas universitárias. Dez anos depois, os politécnicos passaram legalmente a conferir o grau de licenciado e começaram a reclamar a possibilidade de organizar mestrados. Mais dez anos e a reforma de Bolonha […] rebaptizou os cursos de três anos como licenciaturas e as antigas licenciaturas como mestrados, começando alguns dirigentes dos institutos politécnicos públicos a afirmar que deveriam também conferir doutoramentos.
O argumento é quase sempre o mesmo: um défice de prestígio ou consideração social em comparação com as universidades. Mais recentemente, alguns dirigentes afirmam que os politécnicos devem poder conferir doutoramentos porque teriam as competências para tal, e chamar-se universidades. O argumento do “prestígio pelo nome” é muito português. No nosso país julga-se ainda que o valor das coisas vem do nome que têm. Mudar o nome das coisas, em Portugal, substitui muitas vezes para efeitos de imagem o mudar das próprias coisas. Quanto à possibilidade de conferir o grau de doutor, diz-se que a actual restrição é uma limitação à actividade dos politécnicos e ao seu desenvolvimento institucional. Fala-se também na necessidade de os politécnicos formarem o seu corpo docente.
Talvez estas reivindicações sejam um último afloramento de uma visão antiquada de um Ensino Superior “formador-de-doutores”, em que as pessoas têm as expectativas dos pais na cabeça, num mundo que já não existe. As mudanças reclamadas por alguns dirigentes seriam, se concretizadas, um grave erro no plano das políticas públicas e uma péssima notícia para o país, com os politécnicos a afastarem-se irremediavelmente da sua missão original. Em primeiro lugar, o prestígio e o reconhecimento social vêm, devem vir, antes de tudo, de se cumprir bem a missão que nos foi atribuída.
Em segundo lugar, o nome não é o mesmo que a coisa: algumas das melhores instituições de Ensino Superior do mundo chamam-se institutos politécnicos, ou escolas politécnicas, ou institutos de tecnologia: não consta que o nome lhes faça mal algum (para já não falar do “prestígio” das várias universidades portuguesas encerradas por indecente e má figura…). Finalmente, Portugal não precisa seguramente de mais universidades, ainda por cima fracas como universidades.
Mas a questão crucial é a da missão dos institutos politécnicos. Em nenhum dos considerandos dos referidos dirigentes há uma única referência à missão dos politécnicos, os quais neste momento – está claro para todos, incluindo os sucessivos governos – têm a enorme responsabilidade de alargar a base de “recrutamento” de jovens (e adultos) para o Ensino Superior, mediante o desenvolvimento consistente de formações curtas, fortemente profissionalizantes, em ligação com as economias dos seus territórios de implantação. O cumprimento da missão dos politécnicos não é opcional e está muito acima de interesses particulares e “estratégias de desenvolvimento”. É mais importante para Portugal que os politécnicos cumpram a missão para que foram criados – e que é mais actual do que nunca – do que andem à procura de um pseudo-status na secretaria. O ponto está aqui: os politécnicos existem para corresponder a missões e necessidades específicas, não existem para satisfazer os interesses, inclinações ou vontades dos seus dirigentes ou de alguns dos seus docentes.
E temos um facto simples: se os politécnicos abandonassem a missão que lhes está cometida pelo país, essa missão e as necessidades que a justificam não desapareceriam. Portugal teria de investir na criação de uma nova rede de instituições para cumprir a crucial missão abandonada: a de aumentar o número de portugueses com formação pós-secundária, mediante a diversificação da oferta e a aposta nos cursos curtos, técnicos, profissionalizantes, tão importantes para a eliminação do tão falado ‘skills mismatch’ – o desencontro entre os recursos humanos existentes e as necessidades da economia – e portanto para a criação de emprego e o desenvolvimento do país. Ou seja: Portugal teria de criar o ensino politécnico outra vez, porque os actuais politécnicos, em busca de prestígios miríficos, teriam fugido à sua missão.
Quanto ao argumento da necessidade de os politécnicos formarem o seu corpo docente, bastará referir que por todo o lado a tendência é para o afastamento desse modelo e para o abrir de oportunidades aos jovens doutorados.
A única via institucional possível alternativa à actual seria, não a transformação dos politécnicos em universidades, mas a integração dos politécnicos em universidades (o modelo de Aveiro e do Algarve), ou em regiões académicas dirigidas pelas universidades. Isto resolveria vários problemas, desde a maior racionalização e articulação dos cursos a uma gestão dos recursos humanos com mais eficiência. Mas seria uma solução exigente em matéria de energia e “capital político”, já que provavelmente nem as universidades nem os politécnicos, por motivos diferentes, a veriam com bons olhos.
É sempre difícil defender um interesse público relativamente abstracto e não imediato contra pretensões sectoriais agressivas. Que nunca nenhum governo até hoje tenha cedido na questão dos politécnicos mostra bem como é claro e importante o que está em causa.
Professor Universitário, In “Ó Ensino Superiror em Portugal’, p 27 a 32, FFMS

O ensino superior politécnico em Portugal – presente e futuro
Joaquim António Belchior Mourato*
Como é sabido, a configuração do sistema de ensino superior em Portugal apresenta-se sob a forma de sistema binário, na qual coexistem o subsistema universitário e o subsistema de ensino politécnico. De realçar que, mas últimas décadas a sua evolução pode ser genericamente retratada como uma história de sucesso, pese embora alguns insucessos. A louvar, desde logo, a massificação do ensino superior. Este fenómeno traduziu-se num dos maiores acontecimentos políticos do país, seja qual for o setor considerado.
Professor do Ensino Superior, In Volume 1, número 1, de 2014, p. 109-143, na Revista FORGES – Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa,
https://digitalis.uc.pt/pt-pt/node/106201?hdl=36222, 2014